Augusto morava longe. Muito longe. Quase tão longe como a distância que fica entre a cama e a porta de casa quando tocam à campainha num domingo de manhã, e só lá está o sono para ir ver quem é. Morava mesmo muito longe.
Era portanto normal que outros lhe dissessem, quando ele os olhava, que estava sempre distante, quase aéreo. Mas no fundo Augusto era aviador. Gostava de voar.
Nenhum mundo tem planetas. Nenhuma lua tem mundos. Mas Augusto passava lá a vida. Augusto era astronauta. Gostava de voar. Gostava de viajar. E tanto viajava ele, sem dinheiro, e sem se mexer.
Anabela era mulher de Augusto, e, embora não quisesse, era ela que tinha de organizar todas as viagens do marido, sem precisar de lhe perguntar onde queria ir. Ela sabia-o melhor que ninguém. Sentava-se ao lado dele, colocava-lhe o cinto de imaginação, e conduzia-o para todos os sítios dos mesmos dias.
Augusto, sempre o mesmo, viajava sem destino nem rota. Anabela, decidia a que horas ele voltava...
O Café da Prata, lugar de convívio de que haviam sido donos, teve, a certa altura, de ser vendido para que fosse possível comprar a cadeira de rodas eléctrica de Augusto.
Ele tinha estacionado o corpo ao lado da tristeza depois daquele acidente de viação quando levava Anabela a Badajoz para fazer um aborto. Augusto nunca mais foi o mesmo. Nunca mais andou. Ela, tornou-se-lhe a companhia nas viagens de literatura narrada, e ele, imóvel, só era o que queria, naquela meia hora de leitura chorada que Anabela forçava, para deixar de se sentir culpada, criminosa...
Todos os dias Augusto fugia da prisão do si durante meia hora, e tornava-se piloto alguém para toda vida. Daqueles que conduzem depressa numa pista de círculos, e não são presos pelo remorso, de ver que o crime lhes é apontado.
Augusto morava longe. Muito longe. Quase tão longe como a distância que fica entre o rés-do-agora-são e o seu primeiro andar.
04/05/2005