14/07/2008

A ignorância do Miguel

Há dias, um dos assinantes da Archport - sítio de partilha de informação arqueológica (e não só, mas principalmente) onde às vezes, para além das habituais informações de colóquios, palestras, ofertas e procuras de emprego, se fazem comentários sobre a arqueologia em termos gerais, sobre o seu estado e sobre alguns intervenientes mais ou menos competentes - colocou um excerto de um artigo do Miguel Sousa Tavares sobre a problemática da construção da Barragem do Sabor, relembrando a antiga em torno do Côa!

Eu, que até aí desconhecia totalmente a opinião do senhor Miguel Sousa Tavares acerca de Foz Côa, fiquei estupefacto quando soube que este jornalista ainda tem dúvidas em relação à veracidade histórica e ao valor científico cultural que as gravuras paleolíticas do Côa possuem!

Para quem não saiba, digo que uma escavação relativamente recente no sítio arqueológico do Fariseu veio provar a idade antiga das gravuras uma vez que demonstrou com datação de OSL que um dos níveis arqueológicos que cobriam o painel tinha pelo menos 15 mil anos. Ora se cobria o painel, e uma vez que o princípio da sucessão estratigráfica diz que uma camada que está por cima de outra é sempre mais recente, não restam muitas dúvidas quanto à idade de criação daquele tipo de manifestação artística - única ao ar-livre referente a este período pré-histórico.

Parece que esse tal jornalista se refere às gravuras como "rabisco" supostamente antigos!...

E ainda, pergunto eu, dão cobro a este tipo de posturas reaccionárias e ignorantes por parte de jornalistas que se pressupõem informados?

Caríssimo senhor jornalista Miguel Sousa Tavares, tenho pena que não saia aos seus! E não se preocupe que eu não daqueles bloggers que não assina depois do escrito. Saiba o senhor, que o meu nome é João Araújo Gomes, sou arqueólogo, e estou triste por saber que existem pessoas como o senhor que acham que não vale a pena defender a cultura. Só não estou mais desiludido ainda com a sua posição porque para além de já não ter muitas ilusões, infelizmente, de si não esperava muita coisa! Senão vejamos esta carta de uma professora para Miguel Sousa Tavares a propósito de outro seu artigo, também ele indicativo de desconhecimento de causa:

«Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de ler textos escritos pelo jornalista Miguel Sousa Tavares. Anoto que escreve sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo quando depois se verifica que conhece mal os problemas que aborda. É o caso, por exemplo, dos temas relacionados com a educação, com as escolas e com os professores. E pensava eu que o código deontológico dos jornalistas obrigava a realizar um trabalho prévio de pesquisa, a ouvir as partes envolvidas, para depois escrever sobre a temática de forma séria e isenta.

O senhor jornalista e a ministra que defende não devem saber o que é ter uma turma de 28 a 30 alunos, estando atenta aos que conversam com os colegas, aos que estão distraídos, ao que se levanta de repente para esmurrar o colega, aos que não passam os apontamentos escritos no quadro, ao que, de repente, resolve sair da sala de aula. Não sabe o trabalho que dá disciplinar uma turma. E o professor tem várias turmas. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra deva saber) o enorme trabalho burocrático que recai sobre os professores, a acrescer à planificação e preparação das aulas.

O senhor jornalista não sabe (embora devesse saber) o que é ensinar obedecendo a programas baseados em doutrinas pedagógicas pimba, que têm como denominador comum o ódio visceral à História ou à Literatura, às Ciências ou à Filosofia, que substituíram conteúdos por competências, que transformaram a escola em lugar de recreio, tudo certificado por um Ministério em que impera a ignorância e a incompetência. O senhor jornalista falta à verdade quando alude ao «flagelo do absentismo dos professores, sem paralelo em nenhum outro sector de actividade, público ou privado». Tal falsidade já foi desmentida com números e por mais de uma vez. Além do que, em nenhuma outra profissão, um simples atraso de 10 minutos significa uma falta imediata. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra tenha obrigação de saber) o que é chegar a uma turma que se não conhece, para substituir uma professora que está a ser operada e ouvir os alunos gritarem contra aquela «filha da puta» que, segundo eles, pouco ou nada veio acrescentar ao trabalho pedagógico que vinha a ser desenvolvido. O senhor jornalista não imagina o que é leccionar turmas em que um aluno tem fome, outro é portador de hepatite, um terceiro chega tarde porque a mãe não o acordou (embora receba o rendimento mínimo nacional para pôr o filho a pé e colocá-lo na escola), um quarto é portador de uma arma branca com que está a ameaçar os colegas. Não imagina (ou não quer imaginar) o que é leccionar quando a miséria cresce nas famílias, pois «em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão».

O senhor jornalista não tem sequer a sensibilidade para se por no lugar dos professores e professoras insultados e até agredidos, em resultado de um clima de indisciplina que cresceu com as aulas de substituição, nos moldes em que estão a ser concretizadas. O senhor jornalista não percebe a sensação que se tem em perder tempo, fazendo uma coisa que pedagogicamente não serve para nada, a não ser para fazer crescer a indisciplina, para cansar e dificultar cada vez mais o estudo sério do professor. Quando, no caso da signatária, até podia continuar a ocupar esse tempo com a investigação em áreas e temas que interessam ao país. O senhor jornalista recria um novo conceito de justiça. Não castiga o delinquente, mas faz o justo pagar pelo pecador, neste caso o geral dos professores penalizados pela falta dum colega. Aliás, o senhor jornalista insulta os professores, todos os professores, uma casta corporativa com privilégios que ninguém conhece e que não quer trabalhar, fazendo as tais aulas de substituição.

O senhor jornalista insulta, ainda, todos os médicos acusando-os de passar atestados, em regra falsos. E tal como o Ministério, num estranho regresso ao passado, o senhor jornalista passa por cima da lei, neste caso o antigo Estatuto da Carreira Docente, que mandava pagar as aulas de substituição. Aparentemente, o propósito do jornalista Miguel Sousa Tavares não era discutir com seriedade. Era sim (do alto da sua arrogância e prosápia) provocar os professores, os médicos e até os juízes, três castas corporativas. Tudo com o propósito de levar a água ao moinho da política neoliberal do governo, neste caso do Ministério da Educação." Dalila Cabrita Mateus

Já agora, o Parque arqueológico de Foz-Côa é visitável e está aberto o ano inteiro!

Já o foram visitar!? Ainda não!

É pena.

Quanto a si, Sousa Tavares, dedique-se aos livrinhos! Pelo que ouvi dizer, até nem estão mal escritos! Deixe lá o jornalismo para aqueles que o sabem fazer.

1 comentário:

Brunorix disse...

Sem mais delongas, o homem é uma besta! Sempre foi e sempre será. A única coisa que lhe reconheço é a coerência... pelo menos, é SEMPRE uam besta!